
Os relógios esportivos deixaram de ser apenas contadores de quilômetros. Hoje, eles funcionam como centrais de análise do movimento e da fisiologia do corredor.
Frequência cardíaca, cadência, comprimento da passada, variação vertical, tempo de contato com o solo, potência e VO₂max são algumas das métricas que ajudam a entender não apenas quanto se corre, mas como se corre.
Compreender o que cada número representa permite ajustar treinos, melhorar a eficiência, prevenir lesões e alcançar melhores resultados com menor desgaste.
A seguir, explicamos as principais métricas e como utilizá-las na prática.
Frequência cardíaca: um termômetro da intensidade
É o número de batimentos do coração por minuto. Ela informa o quanto o sistema cardiovascular está trabalhando para sustentar o esforço.
- Frequência cardíaca média: representa a carga geral do treino.
- Frequência cardíaca máxima: indica o limite fisiológico.
Os relógios dividem esse esforço em zonas. Zonas baixas (Z1 e Z2) indicam treinos aeróbios leves; zonas altas (Z4 e Z5) são reservadas a estímulos intensos e intervalados. Um erro comum é treinar boa parte do tempo em intensidade moderada-alta, sem permitir recuperação adequada — o que pode levar à estagnação e a lesões por excesso de esforço. Treinar pela frequência cardíaca ajuda a controlar essa distribuição com precisão.
Cadência: número de passos por minuto
Mostra quantos passos o corredor dá em um minuto. Ela está diretamente ligada ao impacto e ao custo energético da corrida.
- Cadência baixa geralmente significa passos mais longos e aterrissagem do pé mais à frente do corpo, gerando um “freio” a cada passada e maior risco de lesões
- Cadência mais alta tende a diminuir impactos e aumentar a fluidez, desde que não cause aumento excessivo da tensão muscular
A cadência considerada eficiente em ritmos de prova costuma estar entre 170 e 180 passos por minuto, mas há variações individuais. O importante é evoluir gradualmente, aumentando alguns poucos passos por minuto quando necessário.
Comprimento da passada: até onde cada passo leva
É a distância percorrida com cada passada. Ela deve se equilibrar com a cadência: velocidade maior depende da combinação entre número de passos e tamanho da passada.
Passadas excessivamente longas, especialmente se o pé aterrissa longe do centro de massa, aumentam a força de impacto e o risco de dores no joelho ou canela. Passadas muito curtas, por outro lado, reduzem o rendimento.
O objetivo é encontrar a faixa de maior eficiência, onde a velocidade sobe sem deteriorar a técnica ou aumentar o custo fisiológico.
Variação vertical: deslocamento para cima e para baixo
Mostra o quanto o tronco sobe e desce a cada passada. Quanto maior essa oscilação, mais energia é gasta em movimentos que não ajudam a avançar.
A corrida eficiente prioriza o deslocamento horizontal. Ao reduzir a variação vertical, o corredor diminui o desperdício mecânico e melhora o desempenho, especialmente em distâncias longas.
Esse indicador costuma melhorar com fortalecimento de core e glúteos, que estabilizam o quadril e o tronco.
Tempo de contato com o solo: rapidez na transição do passo
É o período em que o pé permanece apoiado no chão. Quanto menor o tempo de contato (dentro de uma faixa saudável), maior costuma ser a eficiência mecânica.
- Tempos longos podem indicar fraqueza muscular ou postura inadequada
- Tempos muito curtos podem representar impacto elevado e risco para estruturas ósseas.
Idealmente, o pé deve aterrissar próximo ao centro do corpo e sair do chão com boa propulsão para trás.
Potência: o esforço traduzido em watts
A potência representa a quantidade de energia que o corpo produz para gerar movimento. É um dado muito responsivo: se há vento contra ou uma subida repentina, a potência sobe imediatamente, enquanto o ritmo e a frequência cardíaca demoram a refletir essa mudança.
Por isso, cada vez mais corredores usam potência para regular esforço em treinos intervalados e provas. Manter uma potência alvo é uma forma direta de evitar oscilações bruscas de intensidade e poupar energia.
VO₂max: estimativa do potencial aeróbio
Os relógios calculam essa métrica para estimar o volume máximo de oxigênio que o corpo consegue utilizar durante o exercício. Ela funciona mais como um indicador de tendência do que como um valor absoluto, já que a medição realmente precisa só ocorre em laboratório.
Mesmo assim, observar se o VO₂max sobe, estabiliza ou cai ajuda a avaliar a evolução do condicionamento e a possível necessidade de ajustes no treinamento.
Do dado à decisão: como aplicar as métricas
Coletar informações não basta. É preciso transformá-las em ajustes práticos. Uma abordagem que funciona bem é escolher uma ou duas métricas prioritárias por vez. Se estiver em fase de base, por exemplo, a frequência cardíaca é fundamental. Em períodos de melhora técnica, cadência e variação vertical ganham importância.
É também o acúmulo de dados ao longo das semanas que revela padrões — e esses padrões orientam mudanças mais inteligentes. Se a FC média para um mesmo ritmo aumenta, seu corpo pode estar mais fadigado. Se o tempo de contato com o solo diminui ao mesmo ritmo, há ganho de eficiência mecânica.
Os números ajudam a enxergar o que o corpo tenta dizer.