Poucos assuntos geram tanta discussão entre corredores quanto o alongamento. Há quem defenda que ele é indispensável antes de calçar o tênis, enquanto outros preferem deixá-lo apenas para o final do treino. A verdade é que a ciência vem esclarecendo cada vez mais que o segredo não está em “quando” alongar, mas em “como” fazer isso.
O erro comum: alongar errado na hora errada
Durante muito tempo acreditou-se que o alongamento estático — aquele em que se mantém uma posição por 30 segundos ou mais — era a melhor forma de preparar o corpo antes de correr. Mas pesquisas recentes mostraram o oposto: feito antes da corrida, ele pode diminuir a capacidade de contração muscular e até aumentar o risco de pequenas lesões.
Isso acontece porque, quando o músculo ainda está frio, alongá-lo até o limite causa microtraumas e reduz temporariamente a velocidade de resposta nervosa. Em outras palavras, o corpo “acorda” mais lento e menos preparado para reagir aos estímulos da corrida. Por isso, especialistas recomendam substituir o alongamento estático por movimentos dinâmicos, que aquecem, ativam e mobilizam o corpo de maneira mais natural.
O aquecimento ideal: preparar, não forçar
Antes de sair correndo, o objetivo deve ser aumentar a temperatura corporal, ativar a musculatura e melhorar a amplitude de movimento. Os chamados alongamentos dinâmicos cumprem exatamente essa função. Eles combinam mobilidade e leve esforço, simulando padrões que serão usados na corrida.
Entre os mais eficazes estão:
- Leg swings (balanço de pernas): movimenta quadris e isquiotibiais, preparando para passadas mais soltas
- High knees (joelhos altos): ativa quadríceps e glúteos, aumentando a frequência de passada
- Butt kicks (calcanhar no glúteo): aquece posteriores e melhora a coordenação.
- Frankenstein walk (caminhada reta tocando os pés estendidos): excelente para quem sente rigidez nos posteriores
Esses movimentos devem ser feitos por cerca de 5 a 10 minutos, em ritmo leve, antes de iniciar o trote. Além de preparar o corpo, esse tipo de aquecimento melhora a conexão mente-músculo e ajuda o corredor a “entrar no modo corrida” com mais eficiência.
Após o treino: o papel do alongamento na recuperação
Depois do treino, a história muda. Com o corpo aquecido e o sangue circulando em abundância, o alongamento estático passa a ser benéfico. Ele ajuda a restabelecer o comprimento natural dos músculos, reduzir a rigidez e melhorar a mobilidade ao longo do tempo.
O ideal é focar nos grupos musculares mais exigidos durante a corrida: panturrilhas, quadríceps, isquiotibiais e flexores do quadril. Segurar cada posição por 30 a 60 segundos, respirando de forma controlada, é suficiente para estimular o relaxamento muscular.
Exemplos de bons alongamentos pós-corrida:
- Alongamento de quadríceps: em pé, leve o pé em direção ao glúteo, mantendo os joelhos alinhados
- Alongamento de panturrilha: apoie as mãos em uma parede, leve uma perna para trás e mantenha o calcanhar no chão
- Alongamento de isquiotibiais: sente-se com uma perna estendida e alcance os dedos dos pés
- Alongamento de glúteos: deitado, cruze uma perna sobre a outra e puxe o joelho em direção ao peito
Feitos de forma regular, esses movimentos ajudam a prevenir encurtamentos musculares e dores pós-treino, além de favorecer o retorno do corpo ao estado de repouso.
O que dizem os especialistas
Fisiologistas e médicos esportivos destacam que o mais importante é manter um equilíbrio entre mobilidade e força. Músculos muito rígidos podem limitar o movimento, mas músculos excessivamente alongados — e pouco fortalecidos — também estão mais sujeitos a lesões.
Por isso, o ideal é combinar o treino de corrida com sessões regulares de mobilidade e fortalecimento, incluindo exercícios de core, glúteos e quadris. Isso garante que o corpo tenha estabilidade para sustentar as passadas sem sobrecarga articular.
Quando o alongamento pode prejudicar
Embora pareça inofensivo, o alongamento feito de maneira incorreta pode gerar o efeito contrário. Puxar além do limite, sentir dor aguda ou tentar alongar músculos frios são erros clássicos que aumentam o risco de lesão. O desconforto leve é normal — é o sinal de que o músculo está sendo estimulado —, mas dor nunca deve ser ignorada.
Outro equívoco comum é acreditar que alongar antes da corrida previne dores musculares tardias (as famosas dores do dia seguinte). Na verdade, essas dores estão mais relacionadas ao esforço mecânico e à recuperação muscular do que à flexibilidade.
Conclusão: o melhor dos dois mundos
A recomendação mais aceita hoje é simples:
- Antes de correr: aqueça com movimentos dinâmicos, que ativam e preparam o corpo
- Depois da corrida: relaxe com alongamentos estáticos, que ajudam na recuperação e flexibilidade
Essa combinação aproveita o melhor de cada técnica — mobilidade e preparação antes, recuperação e regeneração depois. Com isso, o corredor não apenas reduz o risco de lesões, mas também melhora a eficiência e a sensação de leveza durante o treino.
No fim das contas, alongar não é uma questão de tempo, mas de propósito: preparar o corpo antes e cuidar dele depois. Essa é a fórmula que separa quem apenas corre de quem corre bem — e por muito tempo.