
Preparar-se para a primeira maratona exige mais do que entusiasmo. É preciso método, constância e uma periodização capaz de levar o corpo, de forma progressiva e segura, dos treinos leves do início do ano até a linha de chegada no segundo semestre.
Um macrociclo bem construído organiza a jornada em fases, controla estímulos, distribui volumes e reduz o risco de lesões. A seguir, mostramos como estruturar um macrociclo de cerca de sete meses, do zero até a maratona, para quem vai encarar os 42 km pela primeira vez.
O que é o macrociclo e por que ele importa
O macrociclo é o planejamento de longo prazo que guia todo o processo de treinamento. Ele costuma englobar vários meses e é dividido em blocos estratégicos. Em um ciclo para maratona, ele normalmente abrange de 20 a 28 semanas, tempo suficiente para evoluir o corpo em resistência, força, economia de corrida e capacidade aeróbica.
Sem essa estrutura, é comum o corredor aumentar volume rápido demais, acumular fadiga, lesionar-se ou chegar à prova sem base suficiente. O macrociclo funciona como o mapa da jornada.
A base de tudo: fase de fundação (semanas 1 a 6)
A primeira etapa é a mais importante para quem nunca treinou para uma maratona. É aqui que se constrói o “alicerce aeróbico”. Os treinos são majoritariamente leves, contínuos e focados na zona de conforto — ritmo no qual ainda é possível conversar.
Nesta fase, os objetivos são:
- Fortalecer o sistema cardiovascular
- Criar um hábito consistente de corridas semanais
- Preparar músculos, articulações e tendões para os volumes futuros
Os treinos típicos incluem três a quatro corridas leves por semana, um “longão” curto no fim de semana (entre 6 e 12 km) e sessões de reforço muscular geral. Não se busca velocidade. Evoluir devagar é essencial para evitar lesões precoces.
O começo da progressão: fase de desenvolvimento (semanas 7 a 12)
Com a base construída, chega a hora de introduzir novos estímulos. A fase de desenvolvimento trabalha duas frentes: aumentar o volume semanal e adicionar treinos um pouco mais específicos.
O corredor começa a:
- Incluir tempos runs leves ou fartleks curtos
- Estender o longão para 14 a 18 km
- Aumentar a frequência de treinos para quatro ou cinco sessões por semana
Aqui a sensação ainda é moderada, e o foco está na construção gradual de resistência muscular. A musculação permanece, frequentemente com ênfase em força para pernas e core, o que melhora a eficiência da corrida.
A fase-chave: construção específica (semanas 13 a 20)
Este é o coração do macrociclo. O corredor já tem base e suporte de volume suficiente para treinos mais exigentes. Nesta etapa, começa a “dançar no ritmo da prova”: os treinos se tornam mais longos, mais direcionados e mais intensos.
Os longões chegam a:
-
22 km, 26 km, 28 km e, em alguns casos, 30–32 km
Na intensidade, aparecem:
- Treinos de ritmo próximo ao pace da maratona
- Intervalados moderados (400 m a 2 km)
- Sessões combinadas, como “longão progressivo” ou “bloco de ritmo no final”
O objetivo é melhorar a capacidade de sustentar esforço por várias horas e treinar o corpo a correr em economia. É aqui que o corredor aprende a administrar glicogênio, testar alimentação e hidratação e entender como o corpo responde ao desgaste prolongado.
Polimento e redução gradual: fase de afiação (semanas 21 a 24)
Depois de meses de estímulos crescentes, o corpo precisa absorver o treinamento. O período de afiação — o famoso taper — reduz o volume, mas mantém pequenas doses de intensidade. É comum cortar cerca de 20% do volume três semanas antes da maratona e chegar a 40% na semana da prova.
O corredor sente mais leveza nas pernas, ganha confiança e chega à prova descansado sem perder condicionamento. É o momento de respeitar o corpo: nada de inventar treinos novos, aumentar carga ou buscar “últimas provas”.
Ajustes para iniciantes: o que muda para quem encara os 42 km pela primeira vez
Nutrição, força e recuperação dentro do macrociclo
Uma periodização completa considera mais do que a corrida. As semanas incluem:
- Treinos de força duas vezes por semana nas fases iniciais e pelo menos uma vez nas mais avançadas
- Estratégia nutricional progressiva: testar géis, saber a frequência de ingestão, acostumar o estômago
- Sono estruturado: dormir mal compromete treinos de volume e recuperação
Durante o macrociclo, o corredor aprende o que funciona. Nada é deixado para descobrir no dia da maratona.
A semana da maratona: o fechamento do ciclo
O volume é baixo, a alimentação é mais controlada e as sensações passam a guiar as decisões. Treinos leves, descanso ativo e foco mental fazem parte do processo. O corredor já chega com sete meses de preparação, uma base sólida, treinos específicos e confiança construída com horas e horas de prática.
A maratona começa muito antes da largada
Um macrociclo bem planejado transforma um iniciante em um maratonista capaz de correr com segurança e prazer. A periodização permite crescer sem pressa, treinar com propósito e chegar à prova com a sensação de que cada etapa — da base ao taper — construiu algo importante.
Ao cruzar a linha de chegada dos 42 km, o corredor percebe que a maratona não se resume ao dia da prova. Ela é resultado de meses de consistência, organização e respeito ao próprio corpo — e essa é, talvez, a maior conquista de todas.